terça-feira, 2 de outubro de 2007

Para que serve a ERSE

Era uma vez um senhor chamado Vasconcelos…

A história podia começar assim, como qualquer história de encantar crianças,
se é que, às crianças de hoje, ainda se contam histórias de encantamento e
final feliz. Parece que o que se usa agora é pô-las a ver desenhos animados
mais ou menos imbecis – ou mais ou menos eivados de violência pretensamente
cómica – se não puder ser uma daquelas coisas computadorizadas, as chamadas
playstations, com jogos de guerra, onde as explosões, os disparos, a
destruição e os massacres transmitem o "american way of life", que é como
quem diz: destrói tudo o que te apetecer destruir.

Mas, era uma vez um senhor chamado Jorge Vasconcelos, que era presidente de
uma coisa chamada ERSE, ou seja, Entidade Reguladora dos Serviços
Energéticos, organismo que praticamente ninguém conhece e, dos que conhecem,
poucos devem saber para o que serve. Mas o que sabemos é que o senhor
Vasconcelos pediu a demissão do seu cargo porque, segundo consta, queria que
os aumentos da electricidade ainda fossem maiores.

Ora, quando alguém se demite do seu emprego, fá-lo por sua conta e risco,
não lhe sendo devidos, pela entidade empregadora, quaisquer reparos,
subsídios ou outros quaisquer benefícios. Porém, com o senhor Vasconcelos
não foi assim. Na verdade, ele vai para casa com 12 mil euros por mês – ou
seja, 2.400 contos – durante o máximo de dois anos, até encontrar um novo
emprego.

Aqui, quem me ouve ou lê pergunta, ligeiramente confuso ou perplexo:

«Mas você não disse que o senhor Vasconcelos se despediu?». E eu respondo:

«Pois disse. Ele demitiu-se, isto é, despediu-se por vontade própria!». E
você volta a questionar-me:
«Então, porque fica o homem a receber os tais 2.400 contos por mês, durante
dois anos? Qual é, neste país, o trabalhador que se despede e fica a receber
seja o que for?».

Se fizermos esta pergunta ao ministério da Economia, ele responderá, como já
respondeu, que «o regime aplicado aos membros do conselho de administração
da ERSE foi aprovado pela própria ERSE». E que, «de acordo com artigo 28 dos
Estatutos da ERSE, os membros do conselho de administração estão sujeitos ao
estatuto do gestor público em tudo o que não resultar desses estatutos». Ou
seja: sempre que os estatutos da ERSE foram mais vantajosos para os seus
gestores, o estatuto de gestor público não se aplica.

Dizendo ainda melhor: o senhor Vasconcelos (que era presidente da ERSE desde
a sua fundação) e os seus amiguinhos do conselho de administração, apesar de
terem o estatuto de gestores públicos, criaram um esquema ainda mais
vantajoso para si próprios, como seja, por exemplo, ficarem com um ordenado
milionário quando resolverem demitir-se dos seus cargos. Com a bênção
avalizadora, é claro, dos nossos excelsos e (in)competentes governantes.

Trata-se, obviamente, de um escândalo, de uma imoralidade sem limites, de
uma afronta a milhões de portugueses que sobrevivem com ordenados
baixíssimos e subsídios de desemprego miseráveis. Trata-se, em suma, de um
desenfreado, abusivo e desavergonhado abocanhar do erário público.

Mas voltemos à nossa história. O senhor Vasconcelos recebia 18 mil euros
mensais, mais subsídio de férias, subsídio de Natal e ajudas de custo. 18
mil euros seriam mais de 3.600 contos, ou seja, mais de 120 contos por dia,
sem incluir os subsídios de férias e Natal e ajudas de custo.

Aqui, uma pergunta se impõe: Afinal, o que é – e para que serve – a ERSE? A
missão da ERSE consiste em fazer cumprir as disposições legislativas para o
sector energético. E pergunta você, que não é trouxa: «Mas para fazer
cumprir a lei não bastam os governos, os tribunais, a polícia, etc.?».

Parece que não. A coisa funciona assim: após receber uma reclamação, a ERSE
intervém através da mediação e da tentativa de conciliação das partes
envolvidas. Antes, o consumidor tem de reclamar junto do prestador de
serviço. Ou seja, a ERSE não serve para nada. Ou serve apenas para gastar
somas astronómicas com os seus administradores.

Aliás, antes da questão dos aumentos da electricidade, quem é que sabia que
existia uma coisa chamada ERSE?

Até quando o povo português, cumprindo o seu papel de pachorrento bovino,
aguentará tão pesada canga?

E tão descarado gozo?

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